segunda-feira, 2 de novembro de 2009

PROJETO RECA DEU CERTO

Reca, um sonho que deu certo na agricultura sustentável da Amazônia
Ramiro Marcelo - Texto e fotos
Dom, 01 de Novembro de 2009 12:15
Quase um pomar, assim se tornam áreas antes descampadas que são cultivadas plantios e árvores nativas, chegando a ter em alguns pontos até cinco plantas em um metro quadrado

Silvino tem perto de 40 espécies plantadas em suas 8hectares de terra (Fotos: Ramiro Marcelo/AGazeta.Net)
Distante 154km da capital acreana, Rio Branco, e outros 350km de Porto Velho, capital rondoniense, o projeto Reca – Reflorestamento Econômico Consorciado e Adensado – poderia facilmente ser mais um assentamento do Incra que não deu certo. Porém, perto de completar sua maioridade, 21 anos, o projeto garantiu o seu sucesso explorando a preservação da floresta, associada a agricultura planejada.

Seu sucesso ou fracasso foi um ato desesperado dos fundadores do Reca, ousando investir, sofrendo influência do sindicalista Chico Mendes e da igreja: o convívio pacífico entre o homem do campo e a floresta. Até então o cultivo baseava-se na agricultura de arroz e feijão, passando a trabalhar no Sistema Agrofloresta (SAFs), produzindo em áreas árvores nativas e plantios no que antes eram áreas descampadas.

O rumo que foi tomado acabou resultando, duas décadas após, em uma das cooperativas de maior sucesso na região amazônica. A movimentação, apenas nos primeiros meses de 2009, foi superior a R$ 3 milhões, produzindo 1.000kg de óleo de castanha, 22 toneladas de manteiga, além de vários frutos da região (castanha, palmito e outros).

Óleos e manteigas exportadas para a fábrica da Natura
Com cerca de 300 famílias associadas e praticamente 500 famílias beneficiadas com o projeto, principalmente na Vila Campinas, a direção do Reca começa a ousar, uma palavra comum para quem chegou a pensar em desistir no seu início, principalmente após serem esquecidos por aqueles que os “assentaram”, enfrentando doenças tropicais, entre elas a malária.

Nos próximos meses as instalações das fábricas de beneficiamento de palmitos e polpas serão ampliadas, com previsão de aumento de 300% na sua produção em menos de cinco anos.

Para suportar esse crescimento, dentro da perspectiva da preservação da floresta, alguns associados conseguiram financiar 14 tratores – sete deles foram entregues durante a estadia da reportagem no projeto -, além de maquinários, para a expansão da área a ser cultivada. “Os tratores foram financiados individualmente com os produtores, porém o Reca entrou com o aval junto ao Banco (do Brasil) para garantir a aprovação, totalizando algo em torno de R$ 1,2 milhão”, explicou Hamilton Condack, gerente comercial do projeto. “A nossa contrapartida foi que iremos atender famílias de três associações da região, beneficiando seus produtores nas nossas fábricas. Isso está documentado junto a Fundação Banco do Brasil”, salientou. Hamiltou explicou também que o investimento total em máquinas e nas fábricas gira em torno de R$ 2 milhões.

Estrutura das fábricas de polpas e palmitos serão readequadas para aumentar a produção
Convidado para estudar a expansão das fábricas, o técnico Gelso Marchiro explicou: “Para alcançarmos esse objetivo temos que tirar alguns estrangulamentos, entre eles a baixa produção. Para isso foi feito o financiamento com Banco do Brasil (por meio do projeto Mais Alimentos) para adquirir novos tratores e maquinários (servirá tanto para aumentar a produção como diminuir drasticamente as queimadas na região)”. Gelson acrescentou: “O segundo passo é uma fábrica de subprodutos a partir das polpas (doces, licores e néctares), instalação de quatro fábricas (palmitos, doces, extração de óleos e de frutas), mas para isso estamos na captação de recursos, sendo que 50% dele virá do Ministério do Desenvolvimento Agrário e já está acertado. Agora vamos em busca de novos parceiros, nas hidrelétricas, com a fundação do Banco do Brasil”, explicou.

O sucesso do Reca também tem atraído alguns parceiros importantes, entre eles a empresa brasileira Natura. Atualmente o projeto tem exportado para a multinacional alguns produtos para confecção, como óleo de castanha, óleo de andiroba, manteiga de cupuaçu, além de outros. Dentro da parceria, a Natura e o Instituto Dom Moacyr estão apoiando financeiramente a escola Aifaba, localizada em território acreano, trabalhando com uma pedagogia da alternância, onde o aluno passa um período de 15 dias tendo aulas e outros 15 dias com a família, mantendo a ligação com suas origens. A Aifapa é uma espécie de escola agrícola, onde além do ensino fundamental, os estudantes aprendem também sobre técnicas a serem inseridas no campo.

Silvino: tudo que se planta dá na Amazônia

Silvino, 68 anos, foi um dos pioneiros do projeto e sentiu na carne os problemas que todos os outros sofreram. Vindo do Rio Grande do Sul, chegou a pensar em voltar com sua esposa, Celinda, porém a criação do Reca e o desenvolvimento da agrofloresta mudou tudo.

Atualmente, numa “porção” de terra de apenas oito hectares, Silvino planta mais de 40 espécies, devidamente contadas pela reportagem durante uma caminhada pelo que parecia um pomar, tal a proximidade de uma espécie para a outra. “Nenhuma espécie atrapalha a outra”, garante este jovem (de espírito) agricultor que quer trabalhar mais 10 anos. “Claro que de todas as espécies, aproximadamente 15 tipos são para comercialização, trabalhando todos os períodos do ano, o restante das espécies são para os animais da floresta se alimentarem. Assim é a natureza”, salienta.

Da sua pequena localização, cinco hectares são de produção agroflorestais (associadas), as outras três hectares são de café. “Mês passado colhi o café, a banana, agora é a vez do cupuaçu, assim vou trabalhando o ano inteiro”, disse, afirmando que o que tira da terra lhe dá uma média de R$ 1.300 mensal, sem contar com o que sua companheira tira trabalhando com homeopatia.

Talvez pelo trabalho da esposa, Silvino tenha tantas espécies raras e “com poder curador”, como o Sangue de Dragão, Andiroba, Jatobá, Copaíba, Ninho e o mais famoso entre eles o None. “Tenho 11 pés de Noni, forte antibiótico que afirmam que o suco serve para o câncer e a menopausa”, disse, tirando o fruto, que exala um forte odor. O Sangue de Dragão é poderoso antiflamatório.

Algumas das espécies

Cupuaçú, Açaí, Palmito, Pupunha, Andiroba, Mogno, Bandarra, Teca, Cumarú, Sangue de Dragão, Jatobá, Abacaba, Jabuticada, Noni, Rambutã, Jabuticaba, Ingá, Café, Samauma, Cedro, Banana, Graviola, Carambola, Mirindiba, Castanha do Brasil, Freijó, Pequi, Uva Japão, Copaíba, Seringueira, Cumarú Campanhe, Abacate, Carambola, Cacau, Buriti, Carapeira, Coco, Cajú, Romã, Aroeira, Ninho e Laranja.

Segunda geração quer ajudar a pioneira

Nova geração quer ajudar pioneiros do projeto Reca
Com mais de 20 anos de criação do projeto Reca é normal que os pioneiros do que outrora foi um “jovem” assentamento agrícola, envelheça e aí começa a renovação de uma nova geração. O normal seria que parte desta nova geração, por uma falta de interesse ou conflito de idéias, abandonasse a zona rural e buscassem os grandes centros, principalmente as mulheres, mas não é isso que se nota.

Sandro Berkembrock, 28 anos, cresceu dentro do projeto, chegando a se formar no colégio Aifapa, como técnico agrícola, garante que os tempos difíceis terminaram. “Para quem está desde o início, com os pais, foi muito difícil. Hoje temos toda uma estrutura montada, uma formação”, disse.

Sandro lembra que as leis atuais favorecem a mecanização, em detrimento a convencional – da queimada – até mesmo porque é prejudicial ao meio ambiente. “Queremos aumentar, sem prejudicar o meio em que vivemos”, garante. Por isso mesmo o SAFs (Sistema Agroflorestal), com plantas da floresta, plantando de forma adensada, como pomares, garante a co-existência do homem no campo, com uma qualidade de vida melhor.

O jovem Emerson, de apenas 17 anos, garante que a exemplo dele, todos da nossa geração querem permanecer e dar continuidade no trabalho construído. “Quero continuar, mas acredito que ainda dá para melhorar, com mais tecnologia, novos mecanismos”, avaliou.

Sonho de ser professora e vontade de vencer

Imaginar que tudo é uma maravilha seria o ideal, porém apesar do projeto ser um sucesso de venda e ser talvez o principal motivo da existência da Vila Califórnia, a falta de infra-estrutura do pequeno vilarejo, dependente de obras e recursos de Rondônia, na recuperação das vias públicas, saneamento básico, mas o que se vê por parte das autoridades rondonienses é um grande descaso. “Isso só muda em ano de eleição. Tudo é só promessa”, diz um agricultor.

É possível atravessar a Vila Califórnia de carro em menos de cinco minutos ou uma caminhada de pouco mais de 20 minutos. Claro que toda a travessia é feita no barro, pois o único asfalto é na BR-364, passando próxima da Vila. Na passagem da reportagem houve uma chuva, onde a lama impedia qualquer pessoa de sair para trabalhar, porém isso não se aplicava aos pais e crianças que se deliciavam com a água descendo ladeira abaixo, entrando em casas e comércios, talvez auxiliada pelos inúmeros quebras-molas de barro mesmo na pequena “rua principal”.

Nesse contexto surge, entre tantas outras crianças, os irmãos Adailson, 9 anos (1ª série), Andressa, 11 anos (3ª série) e Adriana, 12 anos (3ª série), superando as dificuldades e a distância pelo sonho de um futuro melhor. Todos os dias, sob sol ou chuva, o trio sai ao meio-dia para a única escola da região, Maria Jacira, distante 50 minutos de casa.

O sonho de dias melhores é o principal objetivo para, talvez, um dia ajudarem o pai, Zé Camilo, que vive da roça ou de diária para sobreviver. Indagada sobre o futuro, a jovem Andressa, influenciada pela principal personagem de seus dias rotineiros, fala de qual profissão quer seguir: “quero ser professora e ensinar as crianças”, disse a mais extrovertida dos irmãos.

Aulas para a qualificação da mão de obra

Para a implementação da nova fábrica, a ampliação dos produtos a serem exportados, a mão de obra vem recebendo curso de “Boas Práticas”, ministrada pela professora Fátima Mesquita, da Emater/RO. Nos quatro dias de curso, ocorrido de 19 a 22, em torno de 30 associados e funcionários participaram, aprendendo técnicas para melhorar a segurança alimentar.

“Abordamos todo o processo de produção, no caso das boas práticas que são aplicadas em todas as fases que o produto tem que passar até a embalagem”, explica a professora. “O manipulador de alimentos tem que ter consciência que a função dele é muito importante, contribuindo para a segurança alimentar do consumidor”.

Um dos mais jovens no grupo, Valdino, 21 anos, afirmou que após o curso os funcionários passam a ser mais responsáveis com o produto, além da experiência que adquirem. “Melhorou na minha qualificação da mão de obra, aprendi a trabalhar com mais higiene e vi minha importância na fábrica”, avalia o jovem descascador de cupuaçu.

Como surgiu o projeto Reca

Na metade da década de 1980, um grupo de imigrantes veio para a fronteira entre o Acre e Rondônia, onde foram alocados em um assentamento do Incra. A falta de estradas para escoamento da produção de feijão e arroz, a malária que assolou a maioria, juntando com a falta de dinheiro, acabou obrigando a maioria destes imigrantes a retornarem às suas origens, muitos deles descendentes de alemães, italianos, cearenses, maranhenses, além dos acreanos.

Hamilton explicou que a experiência entre os moradores locais e os de fora acabou resultando na criação do Reca, em 1989. Sofrendo forte influência da igreja e as mudanças proposta por Chico Mendes, surge uma cooperativa com um forte vínculo sócio-ambiental, onde o maior objetivo é a recuperação e preservação do meio ambiente, atraindo para si parceiros para uma melhoria econômica local.

“Normalmente pegamos uma área de capoeira, totalmente abandonada, implantamos o sistema agroflorestal, com várias espécies nativas da região, que volta a ser uma floresta, onde, além de preservar e recuperar o meio ambiente, trazendo uma renda para a família, também traz uma série de alimentos para os animais que estão convivendo no meio e necessitam desta floresta para se alimentar e adequar ao meio ambiente, onde antes estava devastada, destruída”, ressaltou o gerente comercial.

Porém a proposta precisou da paciência dos associados, pois nos primeiros anos não havia renda. Somente entre 1993/94 é que o plantio começou a dar renda. “Para a criação do Reca não houve um agente externo, foi criação dos colonos que passaram a se organizar e de lá para cá só melhorou”, afirma Hamilton.

O projeto chegou a exportar para a França, por um bom período, no entanto nos últimos três anos o foco da exportação é para dentro do país. “Parte do palmito vai para o Rio de Janeiro, São Paulo, Rondônia e um pouco no Acre, os óleos e manteigas a maioria vai para São Paulo, as polpas de frutas vão para o Sudeste (Rio de Janeiro e São Paulo), para o Nordeste, um pouco para o Acre e Rondônia, além, é claro, de termos representantes de venda no Rio de Janeiro, São Paulo, Rondônia e Acre, o que torna o projeto um sucesso nessas duas décadas de existência”, avalia o gerente.

Difícil início – Por volta de 1986, quando se iniciou o assentamento, a falta de vias de escoamento dos produtos tornaram difícil a estadia da maior parte dos imigrantes sulistas, porém foi a malária que fez com que a maioria retornassem as suas origens. “Os doentes de malária faziam fila nos postos de saúde”, lembra Sérgio Lopes, diretor do Ceasa e um dos pioneiros no projeto.

Apesar de estar em território rondoniense, a proximidade com Rio Branco, no Acre, faz com que os associados tenham maiores vínculos no território acreano. “Toda a movimentação bancária, quando tem que fazer um tratamento e a maior parte dos nossos produtos são negociados na capital acreana”, explica Sérgio.

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