sábado, 7 de agosto de 2010

A revolução de 6 de agosto

Escrito por Leandro Chaves
05-Ago-2010
Luta símbolo do processo de anexação do Acre ao Brasil completa hoje 108 anos



O administrador de uma pequena vila boliviana instalada em Xapuri ainda dormia quando Plácido de Castro entrou no prédio da intendência do local na madrugada do dia 6 de agosto de 1902, data em que a Bolívia e seus moradores comemorariam com festa o dia da independência do país. Na vila não seria diferente.
Sonolento, ao ouvir barulhos e se deparar com um homem na sua frente, o intendente afirma: “É cedo para a festa”, ao que Plácido responde: “Não é festa, mas revolução”. Sem nenhum tiro dado e nenhuma vida perdida, os seringueiros tomaram Xapuri dos bolivianos e novamente foi proclamado o Estado Independente do Acre - a exemplo do que fizera Luiz Galvez três anos antes.

As informações sobre o grande feito de Plácido correu floresta adentro, chegando a outros seringais e instalações bolivianas. Finalmente os seringueiros passaram a confiar no recém-chegado comandante de guerra.

O episódio ficou marcado como a luta símbolo do processo de anexação do Acre ao Brasil. Assim, adotou-se o 6 de agosto como a data oficial da chamada Revolução Acreana. Hoje, o histórico episódio completa exatos 108 anos e, como em todos os aniversários da batalha, foi decretado oficialmente feriado em todo o Estado.
Mas a data é mais simbólica do que efetiva. O historiador Marcus Vinícius explica que “as lutas para tornar o Acre território brasileiro começou antes, com José de Carvalho, Luiz Galvez e com a expedição do poetas. A fase de Plácido é apenas um dos quatro movimentos da revolução e marca o início da última etapa”, explica.
O fato é que a luta para barrar a tentativa de domínio boliviano por estas terras começou em maio de 1899 com o cearense José de Carvalho e finalizou apenas em janeiro de 1903, com Plácido, após a tomada de Puerto Alonso – antiga denominação para o atual município de Porto Acre.

Para Vinícius, ainda assim a batalha ocorrida em 6 de agosto foi uma das mais importantes para a anexação do Acre ao Brasil.

Os herois da Revolução



Marcus Vinícius explica que a atual visão sobre aquelas lutas e seus principais envolvidos não se originou por meio dos acontecimentos em si, mas da compreensão dos acreanos ao longo do século passado.

Para ele, a primeira crise da borracha foi um fator fundamental para a concepção da revolução como um fato louvável para a história do Estado.
“Quando os seringais faliram, muitas pessoas foram embora do Acre. Assim, os que aqui ficaram precisaram de outra motivação para permanecer. Por isso, a partir da década de 1920 e 1930, Plácido de Castro passou a ser visto como um grande heroi do Acre e da revolução”, ressalta.

É certo que o combatente ganhou o desgosto de muitos enquanto vivo. “Alguns o chamavam de líder, já outros de aproveitador”, confirma o historiador. Após a crise da borracha esta visão foi desaparecendo e hoje Plácido é visto no imaginário da população como um dos herois do Acre.

Em 2004, ele foi incluído no Panteão da Pátria e da Liberdade e teve seu nome escrito no “Livro dos Herois da Pátria” como o mais novo heroi brasileiro.
Nascido em São Gabriel, no Rio Grande do Sul, Plácido de Castro era filho e neto de combatentes militares. Veio para o Acre a convite dos engenheiros Orlando Lopes e Gentil Norberto, seus conterrâneos. Os dois colegas encontraram na figura do militar a solução para a questão do território acreano.
Desconfiado e sem muitas perspectivas, o gaúcho aceitou o convite e, entre vitórias e derrotas, reorganizou o exército de seringueiros e colaborou para tornar brasileiro o território do Acre. Mas Plácido era apenas mais um entre tantos herois. Junto a ele, centenas de trabalhadores pegaram em armas e lutaram contra os bolivianos.

Há uma contradição entre a opinião de alguns historiadores locais sobre a participação dos seringueiros nas batalhas. Muitos afirmam que eles foram obrigados pelos seringalistas a lutar na guerra. Já outros acreditam que houve alistamento voluntário devido ao sentimento de patriotismo comum na época.
Como a história é uma ciência complexa e condena a generalização dos fatos, ambas as opções podem ter acontecido. Marcus Vinícius acredita que muitos foram obrigados a participar porque a guerra era de interesse dos seringalistas, mas também não descarta a possibilidade de participação espontânea.
“Existem documentos comprovando o alistamento voluntário de alguns seringueiros de Tarauacá. Há, em contrapartida, um caso não confirmado de fuzilamento de pessoas que mostraram desinteresse em participar da guerra”, confirma.

O bairro da revolução



O passado de um dos bairros mais tradicionais de Rio Branco, o 6 de Agosto, se confunde com a história da capital. Tradicionalmente um local popular, abrigava os trabalhadores da cidade quando era apenas uma rua.
Após 1904, o seringal Volta da Empresa se tornou a pequena Vila Rio Branco, com quatro bairros localizados no segundo distrito: o bairro Canudos, onde hoje é a Cidade Nova; o Comercial, no calçadão da gameleira; o 15; e o bairro África, composto pelas ruas 6 de Agosto e 1º de Maio.
Mas a rua 6 de Agosto já era mais antiga que a Vila Rio Branco. No tempo das batalhas pela anexação do Acre ao Brasil, o local era um varadouro que ligava o seringal Catuaba ao Volta da Empresa. Por ele fazia-se o transporte de mercadorias entre os dois locais. O caminho foi utilizado por Plácido de Castro e seus soldados em duas das batalhas da revolução.

“Não lembro muito bem o ano em que cheguei aqui, mas eu era moça. Saí do seringal Catuaba para viver na cidade. No 6 de Agosto tinha apenas uma rua, o resto era mata”, relembra uma das moradoras mais antigas do bairro, Ozira Florença, de 93 anos.

O historiador Marcus Vinícius conta que na época o bairro era a periferia da cidade e por isso lá aconteciam as atividades mais populares da vila. “Um casal de italianos, na época, fechou um restaurante na gameleira para abrir uma casa noturna na rua. Outra curiosidade é a criação da união operária, o primeiro órgão de caráter anarquista, montado por um português”.

Para ele, o bairro possuía uma movimentação política própria e era local voltado ao lazer, como o campo de futebol do Domingos, por exemplo, existente até hoje. Marcus lembra, ainda, que o bairro não deixava de ter sua importância para a história da cidade.
A herança festiva

No dia em que a luta símbolo da Revolução Acreana completa 108 anos, o bairro 6 de Agosto aproveita para festejar a data. Este é o 26º ano em que os moradores do local que leva o nome do histórico dia organizam uma série de programações para a população.
Entre os eventos, estão a apresentação de vídeos, torneios esportivos, distribuição de lanches para os moradores, desfile cívico-militar, exposições, shows musicais, entre outras atrações culturais. As comemorações se iniciaram ontem e se encerram amanhã.

“As festas realizadas no dia 06 de agosto é herança dessa cultura festiva que os moradores do local tinham na época, ou seja, o bairro nunca deixou de ter essa característica tradicional”, explica Marcus Vinícius.

“Quem faz a festa são os moradores e isso é um exemplo para todos os bairros da cidade, que devem comemorar e ter consciência da sua própria história”, continua.

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