segunda-feira, 10 de agosto de 2009

QUEM SÃO OS SOLDADOS DA BORRACHA

A herança deixada pelos soldados da borracha
Nos anos 40 do século passado, um grande contingente de nordestinos foi trabalhar na coleta do látex nos seringais da Amazônia. Era a época da Segunda Guerra Mundial e eles foram chamados de soldados da borracha.

A segunda parte da viagem do Globo Rural pelo Rio Negro conta como vivem os filhos e netos daqueles seringueiros. Essa é mais uma reportagem especial do Projeto Globo Amazônia.

A expedição sai de Barcelos, município que fica a 400 quilômetros de Manaus. O grupo sobe o Rio Negro rumo noroeste, na direção da fronteira com a Venezuela. O barco que leva a equipe funciona como uma casa. Nele irão navegar nos próximos cinco dias, até encontrar as comunidades ribeirinhas que vivem da piaçaba.

Não é preciso nem descer do barco para encontrar os órfãos da borracha. O comandante, o Mamá, nasceu num seringal e deixou no lugar uma triste lembrança. “Meu avô morreu com picada de cobra. Estava cortando seringa. A jararaca mordeu ele. Ele morreu nesse rio”, contou.

Foi em um dos trechos do rio que o grupo conheceu uma testemunha viva desta época. É o seu Olavo Bento, de 78 anos. Aposentado como soldado da borracha, ele mora com os filhos e ganha dois salários mínimos por mês. Ele ia às pressas para a roça que cultiva no antigo seringal. Ele recebeu uma notícia muito ruim.

“Quando eu cheguei minhas vizinhas disseram que eu iria ter muita raiva. Elas foram ao castanhal e passaram na minha roça. A banana e o abacaxi estavam muito bonitos, mas o bicho comeu toda a roça de mandioca”, lamentou seu Olavo.

O seu Olavo estava ansioso para chegar à roça e espalhar as iscas de veneno que comprou na cidade, antes que as formigas acabassem com o que sobrou. Mas, a pedido da equipe, fez um desvio no igapó, onde antigamente, na época da seca, extraia muita borracha. As marcas dos cortes ainda continuam visíveis nas cascas das árvores.

Então, vamos relembrar um pouco do que foram os dois grandes ciclos de ouro da borracha na Amazônia.

No final do século 19, Manaus, a capital do Estado do Amazonas, era a cidade mais desenvolvida do país. As construções antigas do largo de São Sebastião são um testemunho desta época. A obra mais importante é o Teatro Amazonas, símbolo do ciclo de ouro da borracha no Brasil. É uma história contada na literatura, na música, no teatro, no cinema e mais recentemente na minissérie Amazônia, da Rede Globo.

Na época a Amazônia respondia por 40% do total das exportações do país. Toda a riqueza vinha da floresta, principalmente da seringueira, árvore nativa da Amazônia, também chamada de “a vaca leiteira da selva”.

Mas enquanto os barões da borracha contavam vantagens e se divertiam nos salões, sementes das seringueiras da Amazônia eram contrabandeadas para a Inglaterra, onde foram pesquisadas e depois usadas na implantação dos grandes seringais da Malásia.

Com a chegada da borracha cultivada pela Malásia ao mercado mundial em 1912, os seringais brasileiros foram à falência. Foi um duro golpe. Mas houve uma retomada durante a II Guerra Mundial, quando os japoneses invadiram os seringais da Malásia.

Sem ter onde recorrer, os Estados Unidos resolveram financiar a reativação dos seringais da Amazônia. O episódio marca o início do segundo ciclo da borracha.

Getúlio Vargas criou então a figura dos soldados da borracha, recrutados entre os nordestinos, vítimas da grande seca do início dos anos 40. Milhares de famílias deixaram o inferno da seca para enfrentar a selva e extrair o látex.

Mas tudo não passou de uma grande ilusão. Logo que chegaram à selva, foram escravizados pelos coronéis de barranco que pagavam o látex extraído por eles com mantimentos que custavam o olho da cara.

O segundo ciclo da borracha durou até o final da guerra. Depois, os seringais foram abandonados novamente. A história do seu Olavo resume muito bem o que acontece hoje com os órfãos da borracha. Eles herdaram os seringais abandonados, mas não conseguiram mudar de vida.

“O homem que tira o produto da mata, nunca sobra nada. O atravessador é quem ganha dinheiro”, falou seu Olavo.

Os órfãos da borracha vivem hoje da piaçaba ou piaçava, uma palmeira nativa da região usada na fabricação de vassouras. Mas na época da borracha tinha muito valor porque era usada na fabricação de cordas de navios. No lugar onde vive o seu Olavo as palmeiras de piaçaba são muito raras. O povo do lugar vive da pesca e de pequenas roças. A lavoura dele fica na clareira. No chão se vê os troncos das árvores derrubadas no machado e nem sinal das mandiocas. As formigas comeram tudo. Agora, só resta replantar novamente.

Alonildo, o filho mais novo do seu Olavo, estava só de passagem. Contrariando o conselho do pai, ele prefere continuar no extrativismo. É piaçabeiro. Vive no meio da floresta.

“Eu espero melhorar de vida. Eu não quero para os meus filhos o que estou passando”, falou seu Alonildo.

O seu Olavo não quer deixar a vida dura do extrativismo de herança para o filho. Ele gostaria que o filho se interessasse mais pela agricultura.

De volta a sua casa, o seu Olavo se despede dos netinhos. Enquanto isso, a mulher do Alonildo já arruma a mudança para seguir junto com ele até os piaçabais onde vão passar seis meses trabalhando na colheita. O porquinho do mato também vai. É o bichinho de estimação deles.

A família sobe o rio. No barquinho coberto de palha eles viajam três dias. “Antes de eu me casar, nunca tinha feito nenhuma aventura desse tipo. Me agoniou muito, principalmente por causa das crianças”, disse Vanderlice, mulher do seu Alonildo.

Globo Rural

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